Dr. David Brito @ Zurique

 

 

Quando participaste no Programa Hippokrates?

O estágio decorreu entre 6 e 19 de Outubro de 2013, tendo em conta os dias de receção e partida.

Quanto tempo estiveste no estágio?

A duração foi de duas semanas, como está padronizado. Parece-me uma duração bastante adequada ao tipo de experiência dado que inclui pelo menos um fim-de-semana, que pode sempre ser um período de descoberta, na área médica ou não.

O que te levou a optar por ir para a Suíça?

Optei pela Suíça pelo interesse no sistema de saúde tão distinto do português, pelo desafio e experiência cultural, pela qualidade expectável da experiência e pela possibilidade de rever familiares.

Em que cidade estiveste?

O programa foi acordado após disponibilização de um médico com prática em Zurique. Zurique é a capital financeira da Suíça, mas um local com muita personalidade e reveladora do carisma e particularidades Suíças. Não deixa de ser apenas uma faceta do incrível mosaico de ideias, culturas e línguas que caracteriza o país, bastante distinta de outro locais que conheci no país.

O que te surpreendeu mais no estágio?

É evidente que a experiência é por si só uma surpresa, pois esse é o seu objetivo: conhecer uma realidade diferente relativamente à prática da Medicina Geral e Familiar.

A esse nível, o dos Cuidados de Saúde, não posso deixar de destacar as relações e organização. E refiro-me a vários tipos: as relações institucionais governamentais, as relações das instituições da comunidade, as relações interdisciplinares médicas, e principalmente a relação médico-doente.

Na realidade o mosaico também existe no que diz respeito à forma descentralizada como os cuidados se organizam. A responsabilidade centra-se em cada cantão (dos 26 existentes) que, apesar de integrar a rede organizada e gerida pelo governo federal, tem uma autonomia substancial para definir políticas de saúde. Determinados assuntos, sobretudo relativos a assistência social a desfavorecidos ou cuidados domiciliários, são ainda definidos a nível municipal.

A nível da comunidade verifica-se que a própria natureza do sistema de saúde, baseado em seguros obrigatórios e regulamentados e em clínicas privadas, dita necessidades específicas. Observa-se uma oferta de cuidados muito distintos, da medicina ocidental a terapias e terapêuticas alternativas, com uma interessante colaboração entre elas, ambas cobertas pelos planos de seguros, e aparentemente contribuindo para a satisfação (e saúde?) dos utentes.

A prática médica difere entre o meio rural e urbano. Globalmente centra-se nos cuidados oferecidos pelos Médicos de Família (de acordo com as suas preferências e treino) e pela própria unidade de saúde (exames complementares, serviços específicos, etc.), variando de clínica para clínica. O seu bom funcionamento decorre das boas relações (bilateralmente cuidadas) entre o Médico de Família e laboratórios ou clínicas de outras especialidades, que dependem entre si para obterem sucesso. Distintamente da relação por vezes pouco colaborativa entre diferentes níveis de cuidados, que se observa em Portugal. Para o fazer utilizam um eficaz sistema de comunicação por fax e estafetas (ex: amostras para análise), que retira a burocracia e processos de diagnóstico das mãos dos doentes, poupando inconvenientes e perdas de informação.

Por fim, a gestão do ficheiro e prestação de cuidados centrada nas competências e disponibilidade dos próprios profissionais, possibilita uma importante satisfação laboral e pessoal. Esse facto permite que o próprio médico defina o número de doentes que considera possível cuidar com qualidade, e consequentemente uma gestão flexível da agenda e do tempo de consulta. O tempo dedicado ao doente, apesar de variável (e tarifado de acordo), torna possível uma excelente relação de cuidados, sem as interferências indesejadas da pressão da agenda, e provavelmente com impacto nos resultados em saúde.

Outros aspetos surpreendentes existiram: a multiculturalidade e os desafios que coloca, os hábitos e costumes particulares, aspetos da prática clínica (técnicas terapêuticas, orientações e circuitos delimitados pelas seguradoras), entre outros, que dariam pano para mangas.

O sistema de saúde suíço pode ser um modelo para Portugal? Porquê?

Parece-me que retirar de um sistema de cuidados de saúde o modelo ideal, de entre vários que constituem a realidade Europeia, está longe de ser realista ou fácil. Essa variedade de sistemas reflete aliás diferentes necessidades e limites para esses cuidados.

Poderia salientar algumas das vantagens previamente expostas, ou a qualidade e satisfação gerada globalmente pelo sistema Suíço. Mas não sem pensar noutros aspetos negativos como os custos globais (3º sistema de saúde mais caro do mundo, seguindo a Alemanha e os EUA), as deficiências na organização da rede de cuidados (ex: rastreios populacionais organizados, cuidados primários pediátricos e obstétricos, etc. ), nos cuidados primários preventivos (ex: cuidados programados e multidisciplinares), ou na abordagem dirigida da família, entre outras.

Por outro lado, comparamo-nos frequentemente com aqueles que têm cuidados de saúde primários com aspetos piores do que o sistema português, para justificar as limitações que nos são colocadas paulatinamente. Parece-me também justo que se possa refletir nos aspetos que estarão na origem da grande satisfação e qualidade de cuidados observados nesse ou noutros países. Essa reflexão deixou-me algumas questões, partindo da experiência Suíça:

Onde estará o limite para o aumento exponencial das listas de utentes, e consequentemente para a industrialização e evolução taylorista e burocrata da consulta? Como permitir espaço para as opções profissionais individuais e oportunidades formativas ou académicas de forma equilibrada?  Poderá existir uma flexibilização das agendas e sistemas informáticos para que se adequem aos cuidados e exigências da população? Deveremos adotar sistemas mais justos e equilibrados de tarifação e pagamento de cuidados? Poderemos dotar os cuidados primários de recursos materiais (farmácia alargada, exames de diagnóstico primário, instrumentos calibrados e de qualidade, etc.) e humanos (profissionais com treino diversificado e de qualidade reconhecida, agenda e remuneração proporcionada, organização descentralizada e multidisciplinar) que permita a melhoria dos cuidados a esse nível? Como será possível uma maior mobilização em prol de resultados centrados na qualidade e satisfação? Poderemos evoluir sem abdicar dos aspetos positivos do sistema existente?…

A verdade é que os sistemas se encontram em mutação, e que existe experiência suficiente (em Portugal, na Europa e no Mundo) para se poderem obter as melhores soluções para os cuidados de saúde primários. Este estágio realçou aquele que deve ser, na minha opinião, o principal aspeto do sistema de cuidados a adotar, ter a pessoa e o doente no centro dos seus objetivos.

Quais os conselhos práticos que pode dar a um colega português que queira estagiar na Suíça?

Qualquer estágio está dependente dos orientadores de formação, e reconheço que esse aspeto foi fundamental no estágio que pude realizar na Suíça.  Num país multicultural como é a Suíça a língua poderá ser um fator determinante, embora seja frequente a existência de profissionais que comunicam em espanhol, inglês, além das 3 línguas oficiais do país, e também português, como no caso do médico que me acolheu. Deverá portanto ser um fator a considerar na submissão do pedido.

Globalmente é um estágio dispendioso, face ao nível de rendimentos do país, quando comparado com outros locais. O alojamento constituirá provavelmente a grande maioria dos gastos em estágio pelo que a avaliação das condições, preços e métodos de reserva/pagamento são importantes. A excelente rede de transportes Suíça é uma importante mais-valia, pelo que a localização poderá não ser decisiva.

As experiências de Hippokrates na Suíça têm sido muito diferentes entre participantes e as realidades muito variáveis entre locais. Penso que seria possível conciliar um período de prática urbana e rural, o que daria uma perspetiva muito interessante e mais representativa dos cuidados de saúde.

Na experiência prática sugiro que seja tão diversificada quanto possível desde que o orientador o facilite (várias unidades/clínicas/médicos, diferentes instituições: universidade, laboratórios, lares de terceira idade, etc.), dada a variabilidade entre locais.

Por fim, comer fondue.. só uma vez! 😉 Bons Hippokrates!

Entrevista conduzida por Luís Monteiro


 

 

 

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