Uso de estatinas de alta potência e taxas de admissão hospitalar por lesão renal aguda

Por Vítor Cardoso, USF Gualtar 

Pergunta clínica: Nos pacientes com idades ≥ a 40 anos, a instituição de estatinas de alta potência, comparativamente às estatinas de baixa potência, associa-se a maiores taxas de hospitalização por lesão renal aguda (LRA)?


Desenho: Estudo do tipo observacional, retrospetivo e multicêntrico (9 coortes: 7 no Canadá, 1 no Reino Unido e 1 nos Estados Unidos), através de base de dados administrativos. Estudaram-se os registos de 2.067.639 pacientes com idades ≥ a 40 anos recém-medicados com estatinas, entre 01/01/1997 e 30/04/2008. O tratamento era considerado “de novo” se nenhum fármaco para diminuir o colesterol tinha sido prescrito no ano anterior. “Estatina de alta potência” foi definida como ≥10mg de rosuvastatina, ≥20mg de atorvastatina ou ≥40mg de sinvastatina; todos os outros tratamentos com estatinas foram considerados como de baixa potência. Os 2 grupos de estatinas de diferentes potências foram divididos em 2 coortes: com ou sem doença renal crónica (DRC) (n=59.636 e n=2.008.003, respetivamente). O principal outcome avaliado foi a taxa de hospitalização por LRA.

Resultados – Nos 120 dias após o início do tratamento, houve 4.691 internamentos por LRA em pacientes sem DRC e 1.896 naqueles com DRC. Os pacientes sem DRC que realizavam estatinas de alta potência eram 34% mais propensos a serem hospitalizados por LRA (fixed effect rate ratio=1,34; IC95% 1,25-1,43). Já naqueles com DRC, a realização de estatinas de alta potência não se associava a um aumento tão grande na taxa de hospitalização (1,10; 0,99-1,23). Para o outcome estudado, em pacientes sem DRC recém-medicados com estatina de alta potência, foi estimado um NNH de 1700, nos primeiros 120 dias de tratamento.

Os autores concluem que o uso de estatinas de alta potência está associado a um aumento de diagnósticos de LRA nas hospitalizações, comparativamente às estatinas de baixa potência.

Comentário: Estudos anteriores apontaram um possível efeito lesivo das estatinas no rim, com provável efeito dose-dependente. Permanece pouco clara a especificidade das estatinas nestes efeitos. Os possíveis mecanismos envolvidos são a rabdomiólise ou a supressão da coenzima Q10. O tipo de estudo observacional dificulta o estabelecimento seguro de relações causais e a utilização de dados secundários pode introduzir um viés de informação. A adesão à terapêutica, não foi também tida em conta. Ainda assim, há que enaltecer o rigor na análise estatística deste estudo, utilizando modelos de regressão logística e métodos meta-analíticos. Adicionalmente, o número de registos estudado foi gigantesco e procurou-se ajustar os resultados a algumas doenças (diabetes) e interações farmacológicas com as estatinas.

Poderá ser sensato considerar este potencial risco quando se pretender instituir uma estatina de alta potência, especialmente quando uma estatina de baixa potência for uma opção.

                                                                                                                                 Artigo original


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