Um futuro para a Saúde

 

 

Saiu recentemente uma publicação patrocinada pela Fundação Calouste Gulbenkian com o título “Um futuro para a Saúde – todos temos um papel a desempenhar”.

Coordenado por eminentes pensadores da saúde, tal documento tem, por base, a criação de um “novo pacto na saúde, em que todos terão um papel a desempenhar…”.  Propõe-se uma nova abordagem à promoção da saúde que “apoiando-se na competência dos profissionais de saúde, reforça decisivamente a iniciativa dos cidadãos e da sociedade em geral”.

E tem como objectivo “reduzir a incidência e a duração de doenças crónicas como a diabetes – ambos os parâmetros mais elevados em Portugal do que na maioria dos países da Europa Ocidental e têm custos para o País mais elevados – e mostrar como as metodologias para o incremento da qualidade e um acrescido acesso às evidências científicas melhoram os serviços de saúde e reduzem a despesa”. 

O relatório propõe que a Medicina comece a ser centrada na pessoa em vez do hospital sendo os cidadãos parceiros na promoção e manutenção da saúde.

Ao longo de vários quadros aparecem tendências e recomendações.

Li e aconselho que leiam.

E se só agora escrevo estas linhas é porque fico atónito com a apropriação e alteração que é sempre possível fazer de boas ideias.

Vejamos:

Novo pacto na saúde, em que todos terão um papel a desempenhar”. Concordo. Mas as normas da DGS são feitas por peritos médicos hospitalares que percebem muito sobre a doença.

Aqueles que mais percebem sobre o indivíduo que tem a doença… estão, nas equipas que escrevem normas, em minoria.

O público-alvo nem sequer foi ouvido.

A contínua avaliação do teor das normas não é feita.

Os determinantes sociais para a doença não são estudados. Os indicadores para as doenças não têm em conta o ensino, a capacitação e mesmo o empoderamento dos “cidadãos”.

 “Apoiando-se na competência dos profissionais de saúde, reforça decisivamente a iniciativa dos cidadãos e da sociedade em geral”.

Quão bem é conhecido o que os cidadãos sabem sobre a doença?

Quão bem é sabido o que os profissionais sabem sobre a doença?

Qual é a velocidade do aparecimento de novos medicamentos e de novas técnicas para um ou outro aspecto particular desta doença crónica, a diabetes? 

Qual o recuo que temos sobre a efectividade do que agora nos propõem?

Que literacia existe na população portuguesa?

Reduzir a incidência e a duração de doenças crónicas como a diabetes – ambos os parâmetros mais elevados em Portugal do que na maioria dos países da Europa Ocidental e têm custos para o País mais elevados – e mostrar como as metodologias para o incremento da qualidade e um acrescido acesso às evidências científicas melhoram os serviços de saúde e reduzem a despesa”.

Os médicos portugueses têm de ser melhores que os de outros países pois diagnosticam mais. E também têm de ser melhores pois seguem durante mais tempo as doenças, neste caso a diabetes.

Ou será o contrário: os doentes sabem de menos?

Ou será ainda diferente:

Como o que interessa nas estatísticas é a produção de consultas, como o tempo de trabalho semanal é o mesmo, então há menos tempo em cada uma delas e  menos tempo significa mais medicação, mais exames, mais cansaço médico, menos informação… e menor estudo individual de determinantes de saúde!

Ou será antes a falta de outros agentes de saúde que, trabalhando com o médico, permitem a redução da tal incidência?

Ou será a nossa mania das grandezas que já vem dos nossos antigos reis, que nos impele a ter sempre as maiores coisas ou então a sempre ter mais que os outros?

Ter informação é fundamental. Saber usá-la translacionalmente é crítico. Fazemo-lo?

Seremos demasiado paternalistas no nosso modelo médico?

Fico para já por aqui. Voltaremos ao relatório que é bom mas que me parece será rapidamente captado e transformado por um sistema que tende a captar, alterar e destruir o que de bom e bem  intencionado é pensado. Parece-me que os GNR já cantaram algo acerca disto…

Por Luiz Miguel Santiago

MD, Médico de Família na USF Topázio; PhD, FCS da Universidade da Beira Interior

 

Apresentação do documento – Fundação Calouste Gulbenkian, 23/09/2014

 

 

 

 

 

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