Estudo RCT: gabapentina no tratamento da vulvodinia




Pergunta clínica: as mulheres com vulvodinia beneficiam do tratamento com gabapentina?

População: mulheres com idade > 18 anos com vulvodinia
Intervenção: terapêutica com gabapentina
Comparação: gabapentina 1200 – 1300 mg/dia vs placebo 
Outcome: melhoria da função sexual

Enquadramento: A vulvodinia caracteriza-se por sintomas da vulva que envolvem sensação de picadas, dor ou irritação e afeta cerca de 7 a 16% mulheres de forma crónica. Mulheres com vulvodinia têm, frequentemente associada, disfunção sexual em vários domínios (diminuição da libido, da excitação, orgasmo ou satisfação) medido pelo índice de função sexual feminina. A vulvodinia caracteriza-se pela presença de dor vulvovaginal com o contacto, como por exemplo com a inserção de um tampão ou com a relação sexual, e parece estar associada a uma disfunção dos mecanorreceptores da mucosa vaginal e a um aumento da sensibilização da nocicepção do tecido muscular mais profundo, mecanismo semelhante ao que acontece nas pessoas com fibromialgia.

Desenho do estudo:  Estudo multicêntrico, randomizado, duplamente cego e controlado por placebo com a duração de 18 semanas. As doentes foram divididas em dois grupos: num grupo, as doentes foram medicadas com gabapentina 1200 a 1300 mg/dia e no outro grupo, o grupo controlo, foram medicadas com placebo. Os critérios de inclusão incluíram mulheres com mais de 18 anos, com dispareunia, dor ao toque vulvar ou dor com a inserção de um tampão, durante, pelo menos 3 meses, com uma intensidade mínima de 4/10 na escala numérica da dor. Foram selecionadas 89 mulheres de uma amostra de 230 segundo os critérios de inclusão. O índice de função sexual feminina foi completado pelos dois grupos no início do estudo e após 6 semanas de tratamento. Durante as visitas as participantes foram avaliadas com exame muscular pélvico, teste do cotonete e palpação à pressão aplicada padronizada. O meio vaginal foi também avaliado e mulheres com atrofia vaginal, vaginites ou outras alterações foram devidamente tratadas. Anticoncetivos orais, terapia hormonal ou SSRIs previamente prescritos e numa dose estável foram autorizados. Como medicação de resgate eram permitidos AINEs, sendo que o uso de analgésicos opióides e medicamentos tópicos foram considerados violação do protocolo. O outcome principal deste estudo foi avaliar se a gabapentina de libertação prolongada seria mais eficaz na melhoria da função sexual das mulheres com vulvodinia comparativamente com placebo. 

Resultados: A incidência de efeitos adversos foi ligeiramente superior no grupo tratado com gabapentina, mas não significativamente diferente, de entre os quais os mais comuns foram rinite (11,2% vs. 4,5%), tonturas (10,1% vs. 3,4%), náuseas (8,9% vs. 3,4%; P=0.10), cefaleia (7,9% vs. 5,6%), sonolência (7,9% vs. 4,5%) e vaginose bacteriana (7,9% vs. 4,5%). Não ocorreram efeitos adversos graves durante o estudo. A gabapentina foi mais eficaz do que o placebo na melhoria da função sexual global (com uma diferença media ajustada 1,3 (IC 95%, p= 0.008), incluindo desejo, excitação e satisfação sexual, mas não melhoraram os domínios de orgasmo, lubrificação ou dor. A gabapentina melhorou o índice de função sexual feminina total de mulheres com vulvodinia e dor muscular de elevada severidade, mas não melhorou significativamente a satisfação sexual daquelas com baixa severidade relativamente à dor muscular pélvica (diferença média, 1,6; IC 95% p= 0.02). De referir ainda que 26 mulheres foram excluídas do ensaio, a destacar 5 delas por efeitos adversos da medicação e 3 por vida sexual não ativa durante o estudo

Comentário: Segundo os dados deste estudo, a gabapentina esteve associada a uma maior satisfação e função sexual global, pelo que parece lícito iniciar o tratamento com este fármaco em mulheres com dor muscular ou disfunção do soalho pélvico associadas à vulvodinia. No entanto, é de salientar que a melhoria não se aproxima do nível de funcionamento sexual em mulheres sem o transtorno pelo que é importante gerir as expetativas da paciente nesse sentido. A salientar como limitação do ensaio o facto de não existir qualquer menção ao reforço muscular com fisioterapia no tratamento da vulvodinia.

Artigo original: Am J Obstet Gynecol

Por Christelle Costa, USF Arquis Nova 



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