Hipotiroidismo subclínico: sobretratamos?

Por Nuno Pina, UCSP Tábua


 

 

Pergunta: existirá uma tendência para a sobremedicalização do hipotiroidismo subclínico? Quais os benefícios e os riscos desta atitude?

Desenho do estudo: estudo de coorte retrospetivo com 52298 indivíduos, aos quais foram analisados os seguintes dados reunidos na base de dados United Kingdom Clinical Practice Research Datalink: sintomas clínicos, datas de prescrição de levotiroxina e os níveis de TSH antes de iniciar terapêutica com levotiroxina, até 5 anos após início do tratamento. Foram incluídos os indivíduos que iniciaram levotiroxina entre 1 janeiro de 2001 e 30 outubro de 2009, e excluídos todos os que tinham: história de hipertiroidismo, doença pituitária, ou cirurgia da tiróide; uso de medicação modificadora da tiróide; prescrição de levotiroxina relacionada com gravidez; sem registo do nível TSH medido 3 meses antes de iniciar levotiroxina.

Resultados: entre 2001 e 2009, houve um aumento da taxa anual de novas prescrições de levotiroxina em 1.74. O nível médio de TSH, no início da terapêutica com levotiroxina, caiu de 8.7 para 7.9 mlU/L. O odds ratio para prescrição de levotiroxina com níveis de TSH ≤ 10 mIU/L em 2009 comparado com 2001 (ajustado para as diferenças demográficas na população) foi 1.30 (95% CI, 1.19-1.42; p<.001). Idosos e indivíduos com fatores de risco cardíaco têm maior probabilidade de iniciar levotiroxina com níveis TSH ≤ 10 mIU/L. Após cinco anos de início com levotiroxina, 5.8% dos indivíduos tinham TSH <0.1 mlU/L. Indivíduos já com depressão ou sensação de fadiga têm maior probabilidade de desenvolver supressão de TSH, enquanto doentes com fatores de risco cardíaco (ex: fibrilação auricular, diabetes mellitus, hipertensão arterial, e dislipidemia) não apresentam esse risco.

Conclusão: Foi observada uma tendência de introdução de levotiroxina em graus cada vez mais marginais de hipotiroidismo com um risco substancial de desenvolvimento de supressão de TSH. Estudos prospetivos de larga escala são necessários para avaliar o rácio risco-benefício da prática corrente.

Comentário: Este estudo destaca a necessidade de avaliar os benefícios e riscos relacionados com a introdução de levotiroxina no hipotiroidismo subclínico. Salienta um consequente efeito benéfico marginal da terapêutica hormonal, com níveis de TSH borderline cada vez mais reduzidos ao longo do tempo.

Considera-se que esta prática possa ser mais danosa que benéfica, dado o elevado risco de supressão dos níveis de TSH (<0.1 mlU/L). Indivíduos com níveis TSH suprimidos têm um risco potencial aumentado de desenvolver fraturas osteoporóticas e fibrilação auricular.

O sobretratamento com levotiroxina pode surgir com alguma facilidade no doente idoso, resultando em consequências adversas, como as arritmias cardíacas, por exemplo. De considerar também que elevações ligeiras dos níveis TSH podem ser uma manifestação normal do seu envelhecimento. Pelo que as guidelines recomendam no idoso (>70 anos) com hipotiroidismo subclínico, níveis TSH superiores na introdução de levotiroxina.


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