Maternidade e Medicina: a perspetiva de uma interna






Ser médica e ser mãe são características que fui desenvolvendo ao longo do meu internato e que já não se conseguem dissociar, podendo encontrar nas duas algumas semelhanças. Algumas competências desenvolvidas em termos de assertividade ou estratégias motivacionais, como quando quero que o meu filho coma os vegetais cozidos, podem facilmente ser transportas para a entrevista motivacional com o utente obeso em que queremos que perca peso. Encetar uma intervenção breve num fumador, com estratégias de abordar e aconselhar, que são facilmente transportas para a birra do supermercado.

Ambas as tarefas requerem colocar o outro em primeiro lugar e estar totalmente presente. A vida de médico interno é complicada a tantos níveis, com os números de horas de trabalho (assistencial e não assistencial), as expectativas, os horários, que nem dão tempo para uma pausa para uma ida à casa de banho. Ao mesmo tempo ser mãe trás consigo horas sem dormir, preparar refeições e um sem número de tarefas… mas nos dois casos, o foco de atenção deve ser sempre ou o nosso filho, em casa, ou o utente, no consultório.

Posso dizer que ser mãe fez de mim uma melhor médica e ser médica faz de mim uma melhor mãe. Ambos os papéis requerem sentido prático e conhecimento de situação. As consultas de saúde materna ou saúde infantil acabam por saltar dos livros teóricos para o conhecimento prático, aliando o melhor dos dois mundos.

Ser-se imaginativo e inventivo é uma das competências tanto da mãe como da médica. Aprende-se a contar histórias de “era uma vez…” ao mesmo tempo que subsiste o desejo de aprender mais com o último artigo do New England. A vontade de crescer e se desenvolver está na base da curiosidade diária.

“Ter filhos durante o internato pode dar muito jeito!” Na reta final deste percurso, não me parece que a solução de qualquer problema, de internato ou outro, possa ser resolvido com um filho. Muito pelo contrário. Eles acarretam sempre uma carga superior de tarefas e organização ao dia-a-dia. Como mãe, é necessária uma planificação mais detalhada para atingir os objetivos propostos. Quando me sento em frente ao computador às 7h da manhã, com o meu café ao lado e preparo a agenda da semana, tenho de ver com muita atenção se não estou a descurar nenhum dos meus papéis pessoais e familiares, com alguma agilidade mental porque afinal às 7h15 começam a despertar cá em casa.

Agora, se me dizem “a melhor altura para ter filhos é durante o internato”, pois não sei, só conheço esta versão da história, porque foi assim que escolhi fazer. E a escolha foi sempre no sentido da família, mesmo na escolha da especialidade, pelo que me parece ter sido pelas motivações certas, de forma genuína e verdadeira.

Por Ana Clara Moreira

MaisOpinião +
Menu