Margarida Leite @ Kathmandu




Como surgiu a oportunidade ires para o Nepal?

Antes do terramoto de 25 de abril de 2015, uns amigos meus tinham planeado fazer férias no Nepal e já tinham comprado a viagem. Depois do terramoto e da destruição exibida nos meios de comunicação social, pensaram em aproveitar essa viagem para, além de conhecerem o país, ajudarem de alguma forma e convidaram-me a juntar-me a eles. No dia em que planeámos a viagem e os dias de voluntariado, lembrámo-nos que nas notícias tinha sido dado destaque a dois portugueses que se encontravam no Nepal a ajudar. Procuramos as suas páginas no Facebook, enviamos una mensagem a mostrar a nossa disponibilidade e interesse e recebemos uma resposta rápida e positiva. Estávamos assim inscritos como voluntários no seu projeto e iríamos trabalhar na tenda médica de um Campo de Desalojados em Kathmandu – o Campo Esperança – e participar na reconstrução de casas em Bistagaun, uma aldeia a 20 km da capital.


Quando foste e quanto tempo tiveste lá?

Fui, juntamente com 3 internos de formação específica de outras especialidades, de 18/09 a 11/10/2015 e decidimos fazer 2 semanas de voluntariado e 1 semana de férias.   

O que te surpreendeu mais no primeiro contacto com a cultura e as pessoas?

Provavelmente a boa disposição e o sorriso das pessoas. Esperava encontrar pessoas tristes e devastadas por terem perdido a sua casa e os seus bens, por estarem agora a viver num campo de desalojados. Em vez disso, por entre olhares de agradecimento, havia alegria e motivos para festejar. Numa rotina quase “normal” as crianças iam à escola, os adultos que não trabalhavam frequentavam cursos profissionais e as pessoas que apareciam na tenda médica não tinham queixas muito diferentes das dos doentes que nos aparecem em consulta na USF.




Como são os cuidados de saúde no Nepal?

São parcos e desorganizados, não havendo uma rede de cuidados de saúde com hierarquias estabelecidas. Supostamente existem no país cuidados de saúde públicos a que se podem aceder com alguns benefícios do governo, mas apenas tivemos contacto com hospitais privados a que recorremos com os habitantes do campo de desalojados. O recurso a estas instituições é limitado devido à pouca oferta e aos custos elevados.
Dentro do Campo Esperança os cuidados de saúde são assegurados pelos voluntários que vão trabalhando na tenda médica, entre estudantes de medicina, médicos e enfermeiros de várias nacionalidades. A tenda possui material médico obtido através de doações, que permite uma assistência correspondente à de uma consulta aberta na USF, com a exceção do pedido de exames complementares de diagnóstico. O campo dispõe de saneamento básico, reservatório de água potável e luz elétrica, mas as condições de higiene nem sempre são ideais, como seria de esperar num contexto de 350 pessoas distribuídas por 18 tendas.
As farmácias têm o aspeto de uma típica loja de rua e encontram-se dispersas por toda a cidade, são confusas e atoladas de medicamentos sendo que a maioria se compra sem qualquer tipo de prescrição médica.
O Nepal é um dos países mais pobres do mundo, sendo por isso proporcional a disponibilidade em recursos de saúde, principalmente em contexto de catástrofe. Existe uma grande escassez de infraestruturas e quanto a isso um voluntário ou uma ONG pouco pode fazer.




O que trouxeste para o teu dia-a-dia como médica de família em Portugal?

Para o meu dia-a-dia trouxe a noção de que se pode fazer muito pelas pessoas, mesmo sem grandes recursos, mesmo em cuidados de saúde. Sem NOC’s ou PEM e sem os antibióticos de primeira linha ajudamos e tratamos na mesma medida que fazemos na nossa prática clínica diária e nada é mais gratificante que isso.

Quais os conselhos práticos (contactos) que pode dar a um colega português que queira ter uma experiência semelhante?

Os dois portugueses de que falei transformaram o seu projeto numa associação, a Associação Obrigado Portugal e toda a informação que precisam está no siteAí podem saber que projetos ainda estão a decorrer e de que forma podem ajudar. Os elementos da Associação são sempre acessíveis e qualquer ajuda será bem-vinda. 
Se têm vontade em ter uma experiência como esta e se a conseguem fazer em segurança, vão sem hesitações. Vale a pena saber que conseguimos ajudar “fora” do nosso consultório.




Obrigado, Margarida Leite!




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