Não menosprezem a formação dos Médicos de Família!

Porque concordamos integralmente com o conteúdo, porque também nos sentimos indignados com as declarações do ministro Manuel Heitor, porque estamos ao lado dos Médicos de Família, divulgamos com a devida autorização o seguinte comunicado realizado pela Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) no dia 2 de setembro de 2021.

Comunicado APMGF – Médicos de Família perplexos com declarações de Manuel Heitor que menosprezam formação em MGF

A Direção Nacional da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF) foi surpreendida pela recente entrevista do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, ao Diário de Notícias, na qual este afirma que no “Reino Unido o sistema está diversificado, sobretudo aquilo que é a medicina familiar, que tem um nível de formação menos exigente do que a formação de médicos especialistas”. O governante acrescenta que “para formar um médico de família experiente não é preciso, se calhar, ter o mesmo nível, a mesma duração de formação, que um especialista em oncologia ou um especialista em doenças mentais”.

Tais declarações são profundamente desrespeitosas para com os Médicos de Família Portugueses e surgem em completa contradição com a tendência verificada nas ultimas décadas em Portugal, que assistiu ao consolidar da especialidade de Medicina Geral e Familiar (MGF), hoje associada a um rigoroso – e elogiado internacionalmente – programa de Internato Médico de MGF de quatro anos, garantia para o nosso país de Médicos de Família com elevadas competências técnicas e clínicas e grande resolutividade. Esta evidência é comprovável, aliás, pela enorme procura que os Médicos de Família portugueses têm no mercado global de trabalho médico, cada vez mais atento à excelente formação e ao potencial destes profissionais de saúde. A Medicina Geral e Familiar deve ser respeitada enquanto especialidade médica autónoma, com aptidões e conhecimentos próprios, com uma abordagem generalista que não a torna menos complexa e exigente do que qualquer outra especialidade médica, antes pelo contrário.

A APMGF refuta, por completo, a ideia de que a MGF não necessita de uma formação tão exigente como outras especialidades médicas, como parece alegar o ministro Manuel Heitor. Isto apesar de o próprio governante utilizar na entrevista a expressão “se calhar”, facto que indicia um preocupante nível de desconhecimento sobre o panorama da formação clínica em Portugal, em particular da especialidade de Medicina Geral e Familiar, assim como rudimentar capacidade de compreender o que se passa no terreno e definir estratégias a longo prazo em consonância com a realidade, contribuindo assim para a falta de planeamento e concursos desadequados que deixam milhares de portugueses sem médico de família.

Face às desconcertantes palavras do ministro Manuel Heitor, a APMGF solicita ao governo que clarifique as suas propostas e intenções relacionadas com a formação médica e, em particular, a formação na especialidade de MGF, com vista a entender se o executivo pretende continuar a ser um agente de progresso na formação médica de qualidade em Portugal e na construção de um Serviço Nacional de Saúde (SNS) bem apetrechado de recursos humanos ou se, em alternativa, pretende reduzir o internato de MGF apenas e só com fins políticos, adotando uma lógica de formação “fast-food” sem compreender que tal colocará em causa a qualidade técnico-científica da mesma e em nada ajudará a atingir o objetivo de atribuir um Médico de Família a todos os portugueses, dado que este retrocesso aumentará ainda mais as dificuldades de retenção de Médicos de Família no SNS.

Na eventualidade deste último cenário ser o eleito pelo governo, a APMGF deixa desde já bem claro que os fins nem sempre justificam os meios e que, pese embora deseje mais do que ninguém uma cobertura universal da população, não pactuará com qualquer tentativa de abreviar e aligeirar a formação dos Médicos de Família portugueses, algo que colocaria em causa a sua abrangência de ação e a qualidade de prestação de cuidados de saúde que os utentes merecem e se habituaram a reconhecer no seu Médico de Família.

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