Quarenta segundos. O tempo que demora a vestir-se. O tempo que demora a pentear-se. A cada 40 segundos suicida-se uma pessoa [1].
A Organização Mundial de Saúde considera o suicídio um problema de saúde pública e estima que todos os anos se suicidem 800 mil pessoas. Em Portugal a taxa de suicídio supera os 10 suicídios por cada 100.000 habitantes/ano [2].
Apesar da sua elevada prevalência, a prevenção do suicídio parece ser um desafio particularmente complexo. Embora exista uma multiplicidade de fatores que possam causar este desfecho, a forma mais eficaz de o prevenir é através da sensibilização e informação das populações sobre os fatores de risco e a identificação precoce e tratamento das perturbações de saúde mental [3].
Segundo a Direção Geral de Saúde, mais de um quinto dos portugueses sofre de uma perturbação psiquiátrica. As perturbações do humor e as patologias relacionadas com o consumo de álcool e outras substâncias são as que se encontram mais frequentemente associadas ao suicídio no nosso país [3][4].
Com o contexto da atual pandemia por SARS-Cov-2, é expectável um aumento da prevalência das patologias psiquiátricas e suicídios, razão pela qual é importante que os Médicos de Família estejam atentos para esta realidade.
A promoção da Saúde Mental e o diagnóstico e tratamento de patologias psiquiátricas são parte integrante do dia-a-dia do Médico de Família. Todavia, o seu papel pode ser mais abrangente, nomeadamente, através da divulgação dos recursos da comunidade e de estratégias promotoras de saúde mental e de prevenção do suicídio, bem como no envolvimento nas políticas de saúde.
Atendendo à realidade açoriana, em que a taxa de suicídios nos adultos jovens (especialmente do sexo masculino entre os 15 e 44 anos) é especialmente elevada comparativamente às restantes regiões do país [5], é premente uma ação estruturada no sentido de mitigar essa tendência.
O grupo de médicos internos de Medicina Geral e Familiar da Unidade de Saúde de Ilha de São Miguel (USISM) adotou uma postura proactiva e realizou um projeto com o objetivo de dar a conhecer os recursos existentes, diminuir o estigma, promover o diálogo e aumentar a literacia em saúde dos cidadãos e o seu empowerment no uso desses recursos.
Na “Atividade 366” o grupo de internos abordou este assunto com 366 pessoas, tanto profissionais de saúde como utentes, e desafiou-os a uma reflexão sobre o suicídio. Cada cidadão foi fotografado com uma frase da sua autoria que respondesse à questão “O que gostarias de dizer a alguém que estivesse a pensar em suicidar-se?”. Assim, durante este ano bissexto, um dia é igual a uma nova reflexão nas redes sociais da nossa Unidade de Saúde.
Figura 1. Exemplo de uma fotografia da “Atividade 366”
Este projeto também integra uma campanha publicitária de educação para a saúde, composta por outdoors, mupis e folhetos informativos. Os outdoors e mupis foram colocados em áreas estratégicas da ilha de São Miguel, e apresentam como mote a frase “Se procuras um sinal para viver, é este!”. Nestes figuram contactos como o 112 e uma linha de apoio psicológico (SOS Voz Amiga). Foram elaborados e distribuídos folhetos informativos (LINK) na USISM e em várias instituições socioculturais da ilha, incluindo estabelecimentos de ensino, sobre a identificação dos fatores de risco e de como auxiliar alguém em risco de suicídio.
Figura 2. Outdoor da campanha “Se procuras um sinal para viver, é este!”
Importa salientar que o conteúdo destas duas atividades foi avaliado e aprovado por especialistas de MGF e psicólogos da USISM, pela delegação açoriana da Ordem dos Psicólogos Portugueses e pela Secretaria Regional da Proteção Civil. Contou também com o apoio de diversas entidades, nomeadamente das autarquias municipais da ilha, da Ordem dos Médicos (secção Açores), de associações sem fins lucrativos e de empresas gráficas locais.
O grupo de internos teve uma participação ativa na rádio e num programa de televisão regional, em setembro de 2020, o que proporcionou uma reflexão mais ampla à população de toda a região.
Estas atividades decorreram no âmbito da iniciativa internacional “Setembro Amarelo”, a qual visa a consciencialização sobre a prevenção do suicídio.
É por todos conhecida a dificuldade de acesso a uma consulta de Psiquiatria bem como de Medicina Geral e Familiar. Assim, é particularmente importante investir em políticas de Saúde Mental e promover o aumento de recursos humanos e físicos para garantir uma maior acessibilidade à pessoa em sofrimento [4]. A redução do número de utentes por Lista de Médico de Família permitiria um melhor acesso às pessoas com patologia mental.
Segundo as estatísticas, no tempo que demorou a ler este texto, suicidaram-se mais 6 pessoas e, pelo menos, 120 tentaram.
O suicídio é um tabu que interessa falar.
É desconfortável, mas é indispensável!
Por Ana Isabel C. Machado, Carolina Melo Simas e Filipa Bento Barros, Médicas Internas de Medicina Geral e Familiar da Unidade de Saúde da Ilha de São Miguel (USISM)
Referências bibliográficas
1 – Organização Mundial de Saúde (2019). Factos sobre o Suicídio. Acedido a 10/09/2020 em https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/suicide
2 – Conselho Nacional de Saúde(2019). Sem mais tempo a perder – Saúde mental em Portugal: um desafio para a próxima década. Acedido a 10/09/2020 em http://www.cns.min-saude.pt/wp-content/uploads/2019/12/SEM-MAIS-TEMPO-A-PERDER.pdf
3 – Direção-Geral da Saúde (2017) – Programa Nacional de Saúde Mental – Plano Nacional de Prevenção do Suicídio 2013/2017. Acedido a 10/09/2020 https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/plano-nacional-de-prevencao-do-suicido-20132017-pdf.aspx
4 – Direção-Geral da Saúde (2017). Depressão e outras perturbações mentais comuns: enquadramento global e nacional e referência de recurso em casos emergentes. Acedido a 11/09/2020 em https://www.dgs.pt/ficheiros-de-upload-2013/dms2017-depressao-e-outras-perturbacoes-mentais-comuns-pdf.aspx
5 – Direção-Geral da Saúde (2016). PORTUGAL- Saúde Mental em Números (Programa Nacional de Saúde Mental. Acedido a 10/09/2020 em https://www.dgs.pt/estatisticas-de-saude/estatisticas-de-saude/publicacoes/portugal-saude-mental-em-numeros-2015-pdf.aspx
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Tirou a minha duvida, parabéns pelo artigo, me ajudou
muito.