O obscurantismo dos iluminados – II

 

(…) não há outro imã além da razão

Só ela nos guia de dia e de noite.

Ali-l-Ala

 

No seguimento do raciocínio exposto em anterior reflexão – a popularidade que as novas superstições gozam entre as elites intelectuais – convirá acrescentar algumas considerações, não vá o leitor julgar este tecelão de ideias como um empedernido defensor duma ortodoxia dita “alopática”, paredes meias com eurocentrismo arrogante. De modo algum. Não é segredo que as vacinas, talvez a maravilha das maravilhas da Medicina, são uma descoberta asiática e que os curarizantes foram importados do Brasil pré-cabraliano. A acupunctura, apesar dos entraves metodológicos à prova definitiva da sua eficácia vai sendo pragmaticamente aceite nos meios “alopáticos”. Enfim, há todo uma série de exemplos que provam que a medicina “ortodoxa” é bem mais aberta do que para aí se diz. O que ela não é é promíscua – é cética. É, felizmente, um clube exigente na admissão de novos sócios. Não se entra por diletantismo, exotismo ou popularidade. As provas de iniciação são rudes e a permanência nunca está assegurada. O merecimento à pretensa está sempre à prova. Por isso, seria de estranhar que, deste auto-ceticismo permanente, que é apanágio da ciência, fossem isentadas as modas exóticas que os “iluminados” querem elevar à categoria de verdades científicas, sem terem de prestar provas. 

Podemos discernir várias caraterísticas nestes movimentos iconoclastas. Antes de mais revelam uma enorme atração pelo exotismo, o que só por si é positivo. Infelizmente, esta simpatia está inquinada pela mãe de todo o disparate: um peculiar conceito de sentido crítico, absolutamente bipolar. Muito mais dzerjinskianos do que cartesianos, quando se trata de avaliar a ciência “oficial”, rejeitam liminarmente tudo quanto dela provenha. Já as heterodoxias são aceites com a mesma alegria que o filho pródigo. Sofrem dum insalubre gosto pelas teorias conspirativas, repetitivas e sem imaginação. Cultivam uma simpatia fundamentalista pelo que é “natural”, acompanhado com a ingénua crença na sua inocuidade, réstias do movimento hippy. Citam amiúde o mote – deveras ingénuo – “o que é natural, pelo menos, mal não faz”. Que o digam os que foram picados por escorpiões ou que tenham provado – e sobrevivido – cogumelos amanita pantherina! Frequentemente aderem a uma vaga  espiritualidade (o que quer que isso signifique). São as vibrações cósmicas, o poder das pirâmides, eu sei lá …  Um imobilismo anti-epistemológico, uma crença em verdades eternas e imutáveis, é quase regra entre eles.  Daí decorrem um simplismo, apresentando resposta para todos os problemas, e um otimismo delirante a prometer resultados garantidos. Amiúde há um interesse comercial mais ou menos evidente.

Mas a pedra de toque, comum a estas variados formatos de mitologia urbana e pós-moderna, está no seu caracter anti-científico e irracional. Paradoxal, atendendo à sofisticação dos adeptos.

 

 

Acácio Gouveia, aamgouveia55@gmail.com

(artigo publicado em simultâneo no MGFamiliar e no Jornal Médico)

 

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