Pagamento por desempenho e impacto na mortalidade

  

 

Pergunta clínica: Qual o impacto do modelo de pagamento por desempenho dos cuidados de saúde primários (CSP) na mortalidade prematura global e por causas específicas?

Enquadramento: O debate relativo às formas de sustentabilidade e de financiamento dos sistemas de saúde encontra-se na ordem do dia. Não obstante o enorme potencial e fundamento teórico relativo ao modelo de “pagamento por desempenho” em CSP, alguns questionam qual é o impacto real na qualidade assistencial e resultados em saúde.

Desenho do estudo: Estudo longitudinal por área geográfica de cerca de 1500 pessoas, abrangendo toda a população de Inglaterra desde 2007 a 2012 (aproximadamente 53,5 milhões de pessoas). Participaram 8647 médicos de família do National Health Service (NHS), enquadrados no programa Quality and Outcomes Framework (QOF) pelo menos durante um ano do período de estudo. Este programa preconiza pagamentos e incentivos a médicos de família de acordo com objetivos atingidos referentes a mais de 100 indicadores de qualidade assistencial. Foram avaliadas as taxas de mortalidade globais e por 6 causas específicas: diabetes, insuficiência cardíaca, hipertensão, doença cardíaca isquémica, AVC e doença renal crónica. Analisou-se a relação entre qualidade assistencial e mortalidade através de técnicas de regressão linear.

Resultados: As taxas de mortalidade (global e específicas) diminuíram durante o período de estudo. O aumento da taxa de mortalidade associou-se a piores condições socioeconómicas, zonas urbanas e maior proporção de população não caucasiana. Não se encontrou relação estatisticamente significativa entre a qualidade do desempenho assistencial, de acordo com os indicadores do QOF, e as taxas de mortalidade.

Conclusão: Neste estudo a obtenção de indicadores de qualidade assistencial enquadrados num programa de pagamento por desempenho não resultou na diminuição da mortalidade prematura na população estudada.

Comentário: Este estudo, pioneiro no objetivo e na forma de análise de dados, conclui não existir relação entre este sistema de pagamentos por desempenho e a redução da mortalidade, o que poderá levar à reconsideração de vários indicadores, à luz da evidência disponível. Em analogia ao Serviço Nacional de Saúde português será necessário reformar os actuais contratos-programa com retribuição por desempenho? Estará a nossa realidade distante do desenho inicial e fundador? É que no processo de contratualização actual é um desafio obter indicadores fiáveis, justos, reais, exigentes na gestão, mas sem nunca descurarem a qualidade de serviço e os cuidados prestados. Como principais limitações a este estudo salienta-se que os investigadores usaram apenas indicadores clínicos alvo de incentivos como medida de efetividade e não avaliaram a qualidade de vida das populações.

Artigo original: BMJ

Por Célia Oliva, USF Além D´Ouro

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