Médicos de família portugueses & medicina preventiva

 

Pergunta clínica: estarão os Médicos de Família(MF) portugueses a praticar medicina preventiva de acordo com as recomendações baseadas na evidência científica?

Enquadramento: Os MF vivem atualmente um dilema no que à medicina preventiva diz respeito. Se por um lado existe uma preocupação crescente em se detectar precocemente qualquer patologia por meio de exames de rastreio, por outro, é crescente o tema da prevenção quaternária, isto é, evitar a iatrogenia associada às intervenções médicas. Torna-se, assim, imprescindível o conhecimento das recomendações baseadas na evidência científica como instrumentos de auxílio à prática diária, enquadrando sempre as mesmas com a experiência pessoal do médico e a pessoa em questão.

Desenho do estudo: Realizou-se um estudo transversal com base numa amostra representativa composta por 244 MF portugueses distribuídos por 90 unidades de Cuidados de Saúde Primários. A colheita de dados desenrolou-se por entrevista telefónica entre 1 de Abril de 2012 e 12 de Outubro de 2012. Relativamente ao instrumento de estudo, este era composto por três questões relativas a dois casos clínicos de indivíduos do sexo masculino e feminino que pretendiam avaliar possíveis intervenções médicas, frequência de intervenção e a experiência na prática clínica diária.

Resultados: Globalmente, a maioria (98-100%) dos MF responderam de acordo com as recomendações da USPSTF. No caso clínico masculino, a mais baixa taxa de concordância foi obtida relativamente à avaliação de PSA, com 37% de respostas de acordo a recomendação. Não se verificou diferença estatisticamente significativa entre os resultados de médicos do sexo masculino e do sexo feminino bem como, entre médicos a trabalhar em meio rural e urbano. Os médicos com idade inferior a 50 anos obtiveram taxas de concordância superiores quando comparados com os médicos de idade superior a 50 anos (77% vs 72%, p <0.001). No caso clínico do sexo feminino, a concordância mais baixa foi obtida relativamente ao rastreio de dislipidémias com apenas 2% de respostas concordantes, tendo-se verificado diferença significativa entre os clínicos de meio urbano e os de meio rural (75% vs 73%, p=0.034), o mesmo não ocorrendo entre géneros ou idade. Requisição de radiografia torácica, palpação mamária e doseamento de glucose em jejum, de rastreio, foram outros exames em que se verificou discordância. Por fim, outra conclusão deste estudo foi a diferença entre as respostas dos médicos quanto ao conhecimento do que está correto fazer e o que na prática clínica dizem fazer.

Comentário: este estudo revela uma alta taxa de conhecimento por parte dos nossos MF no que à medicina preventiva diz respeito, como fica evidente pela elevada taxa global de concordância com as recomendações da USPSTF (98-100%). As áreas de maior discordância apresentam-se como as mesmas em que maior discórdia dentro da comunidade científica existe, nomeadamente, o pedido de PSA, rastreio de dislipidémias, radiografia de tórax de rastreio, palpação mamária. Com efeito, as próprias guidelines internacionais apresentam diferenças relativamente a estes temas, percebendo-se as dúvidas que os MF têm ao abordar determinadas matérias. Por outro lado, através deste artigo fica demonstrado que apesar de os MF terem, no global, conhecimentos teóricos de elevado nível, quando chega o momento de se transporem os mesmos para a prática clínica, existem algumas disparidades; poderão ser vários os motivos de tal diferença, nomeadamente, a realidade portuguesa comparativamente à norte-americana, a individualidade de cada utente e seu contexto biopsicossocial.

Artigo original

Por Ana Rita Magalhães, USF Topázio

 

 

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