Eficácia da terapia antirretroviral na prevenção da transmissão do HIV entre casais serodiscordantes




Pergunta clínica: Qual a eficácia da terapia antirretroviral na prevenção da transmissão do VIH entre casais do sexo masculino serodiscordantes que não usam preservativos?

Enquadramento:  A evidência que existe em relação ao risco de transmissão de VIH através de relações sexuais desprotegidas em casais homossexuais serodiscordantes é limitada em comparação com o risco de transmissão em casais heterossexuais.

Desenho do estudo: Estudo observacional prospetivo realizado em 75 locais de 14 países diferentes. Teve duas fases, a primeira fase teve uma duração de cerca de 4 anos (setembro de 2010 a maio de 2014) em que se recrutou e seguiu casais heterossexuais e homossexuais serodiscordantes (parceiro VIH-positivo realizava tratamento antirretroviral) e quem relatou relações sexuais sem preservativo durante a segunda fase do estudo (até abril de 2018) manteve-se no estudo e foram acompanhados apenas os casais homossexuais. Nas visitas do estudo, os dados recolhidos incluíram questionários de comportamentos sexuais, testes de VIH (parceiro VIH-negativo) e teste para carga viral do VIH-1 (parceiro VIH-positivo). No caso de existir seroconversão no parceiro VIH, era realizada uma análise filogenética anonimizada para comparar a sequência pol e env do VIH-1 no casal e assim identificar a transmissão. Durante os dois anos de seguimento, eram elegíveis para o estudo casais que relataram relações sexuais desprotegidas e que o parceiro HIV-negativo não realizou profilaxia pré-exposição ou pós-exposição, para além disso o parceiro HIV-positivo estava com carga viral suprimida (RNA VIH -1 < 200 cópias/mL) na  sua visita mais recente (no último ano). A taxa de incidência de transmissão foi calculada com o número de infeções por VIH relacionadas filogeneticamente em casais elegíveis-ano pelo número de casais elegíveis-ano durante período de seguimento. Entre setembro de 2010 e julho de 2017, 972 casais homossexuais foram recrutados,  com uma mediana de seguimento de 2 anos. Foi registada uma perda de seguimento de 25 por 100 casais-ano sobretudo devido a rupturas da relação. A mediana da idade dos parceiros VIH-positivo foi de 40 anos.

Resultados: Durante o período de seguimento os casais relataram sexo anal desprotegido 76088 vezes e 288 (37%) dos 777 VIH-negativo relataram sexo desprotegido com o parceiro. Durante este período foram identificadas 15 novas infeções VIH, no entanto nenhuma tinha relação filogenética, pelo que a taxa de transmissão de VIH foi de zero (IC > 95% 0.23 por 100 casal-ano de seguimento).

Conclusão: Durante este estudo não se comprovou existir risco de transmissão de Vírus da Imunodeficiência Humana por relações sexuais sem preservativo em casais homossexuais serodiscordantes, com parceiro VIH-positivo e a realizar tratamento antirretroviral.

Comentário: Com este estudo fica ainda mais clara a mensagem da campanha  “Indetetável=Intransmissível” e os benefícios do diagnóstico precoce e o tratamento do VIH. A salientar que os adultos estudados cumpriam a terapêutica antirretroviral e a carga viral estava suprimida. Como médicos de família temos sempre de reforçar a adesão terapêutica nos doentes VIH-positivo, para além da prevenção primária, com a utilização de preservativo evitando a transmissão de outras doenças sexualmente transmissíveis.

Artigo original: Lancet

Por Filipa Pimenta, USF Aquae Flaviae 


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