Depressão major: terapia cognitivo-comportamental vs antidepressivos



Pergunta clínica: Em pacientes adultos com depressão major, qual o tratamento mais eficaz:  antidepressivos de segunda geração (AD2G) ou a terapia cognitivo-comportamental (TCC)?

Enquadramento: o Distúrbio Depressivo Major é a forma mais prevalente e incapacitante de depressão. Contudo, perante um primeiro episódio, apenas metade dos doentes procuram cuidados e destes só um quinto obtém tratamento adequado. O tratamento é frequentemente iniciado em cuidados de saúde primários, geralmente sob a forma de antidepressivos. Contudo, estes são abandonados por cerca de 20% dos doentes. Por outro lado, a psicoterapia é uma ferramenta igualmente útil mas nem sempre se encontra disponível a este nível de cuidados e poderia constituir uma opção preferencial por doentes que receiem efeitos adversos e potencialmente aditivos.

Desenho do estudo: revisão sistemática com meta-análises de ensaios controlados, publicados entre 1990 e 2015, em sítios de medicina baseada na evidência, comparando entre si (AD2G versus TCC) ou a combinação das mesmas versus monoterapia. Foram estudados, entre outros, os seguintes marcadores: resposta ao tratamento, remissão, recaídas, risco de efeitos adversos e de descontinuidade do tratamento. De uma pesquisa inicial de 7813 artigos foram incluídos 11 estudos envolvendo 1511 doentes. 10 compararam monoterapia com AD2G versus TCC, um comparou TCC isolada versus TCC+AD2G e dois compararam AD2G versus TCC+AD2G. Apenas dois estudos foram realizados em cuidados de saúde primários. A maioria dos doentes incluídos no estudo era do sexo feminino, entre 35 a 45 anos, com  depressão classificada de intensidade mínima moderada. Não foram incluídas distimias, depressões perinatais, doentes com comorbilidades médicas ou ideação suicida. Foram poucos os estudos que incluíram população idosa.

Resultados: Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre as intervenções analisadas em termos de resposta ao tratamento, remissão e alteração do score da Escala de Hamilton (taxas inferiores a 50% dos doentes), assim como na descontinuidade do tratamento por qualquer causa ou por falta de eficácia. Verificou-se uma tendência ainda que não significativa para a suspensão do tratamento por efeitos adversos no caso dos AD2G. Não foram encontrados estudos referentes a prevenção de recaídas.

Comentário: Os AD2G e as TCC apresentam-se como terapêuticas válidas no episódio inicial da depressão major, sendo ambas recomendadas na abordagem inicial por algumas normas de orientação em países com facilidade de acesso às mesmas. O estudo supracitado vai de encontro a essas mesmas orientações, apesar da fraca evidência dos resultados obtidos e de limitações metodológicas inerentes à comparação entre intervenções de natureza diferente.

A aplicabilidade destes resultados para a realidade portuguesa é limitada. O médico de família não dispõe de tempo e de formação necessária para exercer uma psicoterapia eficiente e sustentada a longo prazo, acabando por recorrer mais cedo ou mais tarde à terapêutica farmacológica, associada a menores índices de melhoria e de satisfação e a mais efeitos secundários. Por outro lado, apesar da articulação com os serviços hospitalares de psiquiatria, não há um acesso fácil a cuidados sustentados de saúde mental, verificando-se um número escasso de psicólogos clínicos para todo o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Saliente-se ainda o facto de escassearam os profissionais da área da saúde mental, psicólogos ou psiquiatras, com formação e treino específico de psicoterapia cognitivo-comportamental. Não obstante, o médico de família pode ainda ter um papel importante no tratamento não farmacológico da depressão, assim como de outras morbilidades físicas e mentais, através de uma boa comunicação e de uma intervenção breve nestes doentes, recorrendo a alguns princípios da TCC. Será útil o desenvolvimento de estudos de maior qualidade com vista a proporcionar a clínicos e doentes uma melhor e mais fundamentada capacidade de escolha na definição do plano terapêutico, nomeadamente em contexto de cuidados de saúde primários, onde o contacto com quadros depressivos iniciais é mais frequente.

Artigo original: BMJ

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Por André F. Correia, UCSP Águeda V




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