
Há anos que chavões como “e-Health” e “saúde digital” abundam no léxico mediático e político. O tema voltou recentemente à ribalta por causa do célebre Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). O PRR tem um item reservado para a “transição digital da saúde”, com uns sumptuosos 300 milhões associados.
Estamos numa fase em que excelentes e novas ideias terão os meios necessários. Podemos todos, doentes e profissionais, ganhar com a inovação. Não obstante, só os mais incautos acreditam que não existem desafios ou armadilhas.
Os resultados de análises, como o hemograma, não estão integrados no programa que uso diariamente.
Em primeiro lugar é importante recordar que a transição digital é um meio e não uma finalidade. No centro deve estar sempre o cidadão.
A principal tarefa de uma unidade de saúde (como uma Unidade de Saúde Familiar) é a prestação de cuidados de saúde. E ainda que exista espaço para contacto remoto, a maioria destes cuidados serão prestados com maior qualidade e segurança em modelo presencial.
A relação médico-doente é, aliás, candidata a património imaterial da humanidade pela Ordem dos Médicos.
Para aumentar a satisfação do médico de família e doente precisamos de mais tempo de consulta. Logo, as tecnologias de informação devem agilizar e não criar mais tarefas.
Vou dar dois exemplos objectivos para esclarecer o leitor. Os resultados de análises, como o hemograma, não estão integrados no programa que uso diariamente. Apenas alguns laboratórios disponibilizam os resultados em rede. E mesmo esses apresentam os resultados em pdf obrigando o profissional à rotineira tarefa de copista.
E em vez de termos um sistema inteligente que me peça a identificação inequívoca no início duma tarefa, tenho um programa que me exige a introdução da password várias vezes, repetidamente, consumindo tempo e recursos.
Estes problemas já foram identificados e reportados, mas não são solucionados. Para evitar a dissonância entre a promessa tecnológica e a realidade é preciso estar disponível para ouvir quem está no terreno e ajustar o que for necessário.
Concluindo, a transição digital da saúde não é, em si, uma ameaça, mas também não constitui uma panaceia. Saibamos criar pontes para que esta transição seja benéfica para o futuro do Serviço Nacional de Saúde.
E em vez de termos um sistema inteligente que me peça a identificação inequívoca no início duma tarefa, tenho um programa que me exige a introdução da password várias vezes, repetidamente, consumindo tempo e recursos.
Por Luís Monteiro