Segurança da vareniclina nos fumadores com depressão

Por Hugo Paiva, UCSP Mira

 

Pergunta clínica: Será a vareniclina uma opção segura em fumadores com depressão?

Enquadramento: Cerca de metade dos fumadores que procuram ajuda para a desabituação tabágica têm antecedentes de depressão. Em comparação com os fumadores não deprimidos, os fumadores com depressão têm maior dificuldade em abandonar o hábito de fumar, apresentando também maiores taxas de recaídas após a abstinência.

A vareniclina é um dos fármacos usados na desabituação tabágica, bloqueando o “efeito de prazer” obtido pela nicotina. Estudos anteriores já demonstraram que a vareniclina acelera o processo de cessação em fumadores não deprimidos; no entanto, o uso deste medicamento tem sido limitado em doentes com antecedentes de depressão devido aos relatos de exacerbação da sintomatologia depressiva e aumento da ideação suicida.

Desenho do estudo: estudo aleatorizado controlado. Participaram neste estudo 38 centros clínicos de 8 países. A amostra foi constituída por 525 adultos fumadores (pelo menos 10 cigarros/dia) com motivação para deixar de fumar e com história atual ou passada de depressão major; nenhum dos participantes tinha antecedentes de eventos cardiovasculares recentes. Quase ¾ dos doentes estavam medicados com antidepressivos ou ansiolíticos; foram excluídos deste estudo aqueles que recebiam terapêutica para sintomas maníacos ou psicóticos. Os participantes foram submetidos a tratamento com placebo ou vareniclina (0,5-1mg 2 vezes por dia) durante 12 semanas. Após o tratamento terminar, os investigadores realizam seguimento clínico durante mais 40 semanas. Durante o período de estudo, os participantes foram avaliados relativamente ao consumo de tabaco (através do teste de CO exalado) e em relação ao humor, ansiedade e pensamento suicidário.

Resultados: 68% dos indivíduos medicados com vareniclina e 67% dos que receberam placebo completaram o estudo. A taxa de cessação tabágica foi superior (cerca do dobro) no grupo que recebeu vareniclina em comparação com o grupo que recebeu placebo (nas últimas 4 semanas de tratamento: 40% vs. 16%; após 6 meses de seguimento: 25% vs. 12%; no final das 40 semanas de seguimento: 20% vs. 10%). Não foram encontradas diferenças significativas entre os dois grupos relativamente a alterações do humor, ansiedade, agravamento dos sintomas depressivos ou de ideação suicida. 27% dos indivíduos que receberam tratamento com vareniclina experimentaram náuseas, em comparação com cerca de 10% dos que administraram placebo.

Conclusão: O uso da vareniclina pode ser útil no processo de desabituação tabágica em doentes com antecedentes de depressão, e o seu uso não parece estar associado ao agravamento da sintomatologia depressiva ou ansiosa.

Comentário: Apesar de indicada para a cessação tabágica, o uso da vareniclina tem sido limitado pelos relatos de agravamento da sintomatologia depressiva e ideação suicida.

Cabe ao médico de família, que conhece o doente melhor que ninguém, averiguar com precaução os antecedentes psiquiátricos e numa base de decisão partilhada entre médico de família-utente, decidir qual a melhor opção terapêutica a seguir. Este estudo veio demonstrar uma vez mais que o uso de vareniclina é bastante eficaz na desabituação, e parece não causar agravamento ou descompensação da depressão ou ansiedade. No entanto, o médico deve alertar sempre o doente acerca dos potenciais efeitos adversos que possam advir com a terapêutica instituída, e mostrar-se disponível para o receber em caso de necessidade. A salientar que este estudo teve o apoio da indústria farmacêutica.

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