Achados úteis para suspeitar hipertensão secundária na criança e adolescente

 

 

Pergunta clínica: Em crianças e adolescentes, quais os componentes do exame físico, história clínica e exames complementares nos devem fazer suspeitar de hipertensão secundária?

Enquadramento: A prevalência de hipertensão arterial na idade pediátrica pode atingir cerca de 11%, sendo comum atribuí-la sobretudo a causas secundárias. Contudo,  dados mais recentes evidenciam que a maioria dos casos de hipertensão arterial em crianças e adolescentes aparentemente saudáveis se deve a etiologia primária, pelo que as últimas guidelines desaconselham uma investigação exaustiva da hipertensão nestas idades. Apesar disso, a hipertensão artetial pode ser o primeiro sinal de outra patologia, potencialmente grave, merecendo nestes casos uma abordagem diferente. Torna-se necessário encontrar um novo equilíbrio entre a “sobreinvestigação” e o “subdiagnóstico” de hipertensão secundária.

Desenho do estudo: Revisão sistemática com protocolo registado na PROSPERO (CRD42021229566). Pesquisa nas bases de dados Ovid MEDLINE ®, PubMed Central (PMC), Embase (Ovid), Web of Science e Cochrane, sem limite de língua ou data de publicação.  Critérios inclusão dos estudos: estudos transversais e estudos de coorte retrospetiva e prospetiva com população até aos 21 anos com história de hipertensão que tenham feito o seu estudo etiológico. Considerou-se hipertensão arterial quando a medição ambulatória da pressão arterial das 24 horas se encontrou acima do percentil 95 para a idade e género. Definiu-se como secundária quando identificada causa de origem renal, renovascular, cardíaca, endócrina, genética ou devido a exposição a fármacos ou tóxicos. Critérios exclusão: estudos em que a população é exclusivamente composta de casos de hipertensão secundária.

 

Uma história familiar de hipertensão secundária, uma história de prematuridade, idade igual ou inferior a 6 anos, baixo peso corporal (igual ou inferior ao décimo percentil para sexo e idade), microalbuminúria e concentração sérica de ácido úrico igual ou inferior a 5,5 mg/dL são os achados mais úteis para uma maior probabilidade de hipertensão secundária em crianças e adolescentes.

 

Resultados: Foram incluídos 30 estudos, dos quais 23 foram utilizados na meta-análise de dados (N=4210 crianças e adolescentes).  Dos 3 estudos realizados em contexto comunitário, a prevalência de hipertensão secundária foi de 9%.  Os dados recolhidos podem-se agrupar em 3 grupos.
Dados clínico-laboratoriais mais a favor de hipertensão secundária: história familiar de hipertensão secundária, baixo peso (igual ou inferior ao décimo percentil para sexo e idade), ter nascido prematuro, idade igual ou inferior a 6 anos, microalbuminúria, ácido úrico sérico igual ou inferior a 5.5 mg/dL e MAPA, seja pelo aumento da pressão diastólica diurna associada a aumento da pressão sistólica noturna ou pela pressão sistólica noturna aumentada em 50% (isoladamente).  Por sua vez, a ausência do “dip” noturno da pressão sistólica teve fraca correlação com hipertensão secundária.
Dados clínico-laboratoriais menos favoráveis de hipertensão secundária: apresentação assintomática (sem cefaleia, visão turva, toracalgia ou edema), obesidade e história familiar de qualquer tipo de hipertensão. Destes, a ausência de sintomas ou obesidade apontam muito mais fortemente para a etiologia primária.
Dados sem influência no diagnóstico etiológico: sexo e etnia, grau de hipertensão, presença de cefaleia, deteção de hipertrofia do ventrículo esquerdo no ecocardiograma.
Dados do exame físico tais como assimetria de pulsos, assimetria de pressão entre membros superiores e inferiores, pesquisa de sopros a nível abdominal, bem como exames laboratoriais de creatininémia, azoto ureico sérico e ionograma não tiveram estudos a comprovar a sua precisão diagnóstica.

Conclusão: Uma história familiar de hipertensão secundária, uma história de prematuridade, idade igual ou inferior a 6 anos, baixo peso corporal (igual ou inferior ao décimo percentil para sexo e idade), microalbuminúria e concentração sérica de ácido úrico igual ou inferior a 5,5 mg/dL são os achados mais úteis para uma maior probabilidade de hipertensão secundária em crianças e adolescentes. Nestas crianças devemos avançar sempre com estudo complementar. Por outro lado, a presença de obesidade, a história familiar de hipertensão primária e a ausência de sintomas relacionados com a hipertensão (por exemplo, cefaleias, visão turva, tonturas, dor torácica, edema) são os resultados mais úteis para excluir uma possível hipertensão secundária.

Comentário: É um estudo abrangente que vem ajudar a clarificar quais as medidas fundamentais e quais serão menos úteis à prática clínica e ao utente. De facto, face a uma pessoa jovem com hipertensão podem surgir ao médico muitas dúvidas de como proceder e, se as guidelines publicadas são relativamente claras em como proceder em idades mais jovens, essa clareza diminui com a idade da criança ou adolescente em questão. A pertinência da MAPA é posta em evidência, mas reconhece-se a sua baixa disponibilidade e tolerabilidade por parte das crianças, pelo que a noção clínica e realização de outros exames toma um papel central na decisão de tratar ou referenciar – algo também relatado pelos autores. Graças aos padrões atuais de obesidade, sedentarismo e dieta (entre outros) da população mais jovem podemos hoje mais facilmente falar de hipertensão primária na idade pediátrica, evidenciando também mais um motivo de aposta na sua prevenção.

Artigo original: JAMA

Por Luís Pimenta, USF CelaSaúde

 

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